Sunday, February 17, 2008

Devaneios da dor

A cabeça doía e já não sabia o que fazer. Foi à geladeira, enfiou a mão no congelador e voltou com um punhado de raspas de gelo. Uma espécie de neve particular e sempre disponível. Passou nas testa. As gotas de água iam escorrendo pela face. Um alívio acompanhado de um arrepio, dado o choque térmico. Sentou-se e pouco tempo depois já podia pensar, a dor cedia um pouco. Mas no que pensar? Ela agora já nem lembrava mais do que estava fazendo, queria apenas a total sensação de alívio que ainda não alcançara.

As dores de cabeça passaram a ser freqüentes havia um tempo. Nem sabia quanto ao certo. Doía, passava, voltava. Tanto assim que já nem ligava mais. Esse dia era atípico, porque por algum motivo desconhecido a dor de cabeça saíra do seu estado de normalidade e voltara a incomodar.

Tentou ser racional, mas não conseguia pensar. Sua cabeça parecia um prédio com alarmes de segurança ecoando para todo os lados. Correu para o chuveiro, deixando a água molhar toda a roupa, sapatos e bolsa. Que se danassem. Do que lhe serviriam sem poder sair? De olhos fechados e fazendo o mínimo barulho possível ficou por ali uma, duas horas. O Greenpeace interditaria aquela casa, mas eles não saberiam de nada, era segredo. O que se faz aqui, morre aqui. Lembrava da frase que sua mãe e sua tia sempre diziam após contar uma fofoca. Era preciso enterrar o assunto, menino é bicho curioso e linguarudo. como falar de defunto é feio, sempre havia o cuidado de garantir a inviolabilidade do túmulo. Assim seria sobre o gasto de água.

Ficou repassando mentalmente os motivos de não ter comprado uma jacuse. Encheria de gelo, colocaria água e pousaria seu corpo. Todo seguro saúde deveria cobrir despesas pró-jacuses, haja vista seu uso medicinal. Mandaria assim que possível essa sugestão urgente para a ouvidoria da Unimed, não seria indeferida, tinha certeza.

Em meio aos devaneios, a dor foi cedendo lugar à calmaria. Os alarmes paravam aos poucos de sonar e os chuveirinhos de teto debelavam o fogo. Os bombeiros poderiam voltar a posar para calendários beneficentes, tarefa da qual tinham sido retirados às pressas para tentarem conter o incêndio que aquecia-lhe a testa. Com essa cura descoberta pensou no perigo do aquecimento global e nos prenúncios de fim da água. Como exterminaria suas enxaquecas? Não havia doril que fizesse o bem que uma boa chuveirada fazia. Ligaria para o All Gore assim que possível para manifestar apoio e até atuar numa revival da marcha do Imperador. Tudo pelo fim da enxaqueca.

Saiu ensopada do banho. As peças molhadas iam ficando pelo piso, dando vistas de que o rastro molhado era recente. A água empossada ia findar no closet. Um larirárá era ouvido.

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1 Comments:

Blogger Ana Rachel said...

adoreiris :)

27 March, 2008 07:31  

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